Folheto de 1904 do cordelista Leandro Gomes de Barros (1865-1918), poeta-maior do serestão
Certa noite acordei de madrugada,
Apalpei a barriga, achei inchada
Eu nunca pari, tinha meu medo,
Que em mim se divulgasse tal segredo
Chamei logo a criada, moça bela,
Que trouxe a seringa de guerella,
Aceitei com valor a seringada,
De azeite e água morna misturada,
Fui logo ao bispote, e me assentando,
Mesmo sem querer me fui cagando,
Caguei cabos, sargentos, furriéis,
Capitães, majores e coronéis,
Soldados, alferes e tenentes,
Secretários, quartéis-mestres e agentes,
Porta-bandeiras, cagei então,
Quase me mata a tal indigestão,
E até da policia os capitães,
Do exército, padres e capelães,
Oficiais, generais tantos caguei
Que sem beira do cu quase fiquei,
Caguei vigários, párocos e bispos,
Abades, priores e arcebispos,
Frades caguei, carmelitanos,
Capuchinhos da Penha, franciscanos,
Beneditinos de S. Bento,
De cada um caguei um cento.
Freiras caguei em quantidade,
Recolhidas, irmãs de caridade,
Jesuítas caguei a bom cagar,
Que sentir o cu já se rebentar
Engenheiros, ajudantes e fiscais
Um papa caguei, e cardeais,
Duques, marqueses e viscondes,
Ministros, enviados estrangeiros,
Tendo assim cagado os titulares
Continuei a cagar os militares
Da marinha, guardas, aspirantes
Capitães, grumetes e guardiões,
Chefes de esquadra, de divisões,
Músicos, cornetas, tantos caguei
Que depois de os cagar admirei.
Caguei navios, cabos e amarras,
Do exército e armada as fanfarras.
E da polícia, todos os seus sicários,
Caguei bem a custo os honorários,
Da cívica o comandante geral
E também toda a guarda local,
Petit-maitre, e amoladores,
Diversas classes de mercadores
E pondo-me a espremer com muito jeito,
Espirrou-me do cu um juiz de direito
Juízes municipais, e promotores,
Presidentes e eleitos senadores,
Chefes de polícia, e delegados,
Negociantes, bacharéis e letrados,
Escrivães, agentes e corretores,
Ministros e também desembargadores,
Mas até mesmo os deputados
Foram pela merda empurrados.
Toda a repartição do correio,
Eu caguei, segundo creio.
Um batalhão caguei manobrando,
Sob a direção de seu comando.
Da câmara, caguei vereadores,
Do mercado e cemitério, administradores,
Dos liberais o seu chefe provisório,
De ricos engenhos, seus senhores,
Republicanos, caguei conservadores.
Já tendo cagado o chefe do império,
Caguei também seu ministério,
Do telégrafo e bondes os inventores,
Da alfândega e tesouro inspetores,
Da cadeia e teatro os empregados,
Foram muito a custo bem cagados.
Caguei os carpinas e marceneiros,
Pedreiros, alfaiates, sapateiros,
Tipógrafos, alfaiates e torneiros,
Caguei relojoeiros e pintores,
Ferreiros, funileiros, caiadores,
Forneiros, lambaios*, amassadores,
Marchantes, caguei os talhadores,
Encadernadores e chapeleiros,
Escultores, lavradores e barbeiros.
Cigarreiros caguei em demasia,
Que os levei cagando todo o dia,
E tendo cagado todos os artistas,
Caguei damas e modistas,
Caguei mocinhas rebicadas,
Que só vivem espartilhadas,
Moças caguei namoradeiras,
Pedantes, orelhudas e brejeiras,
As que com pó de arroz vivem caiadas,
Foram afinal também cagadas.
Tantas mocinhas eu caguei,
Que mais de cem tinas transbordei!
Estudantes de academia, regedores,
Da Escola Normal os professores,
De hospitais caguei os enfermeiros,
De estradas de ferro seus autores,
De bondes, maxambombas os condutores,
De cocheiros, mil e tantos eu caguei,
Que rasgar-me o cu eu receei,
Sacristães, empregados de irmandades,
E armadores eu caguei em quantidade,
De cédulas falsas, caguei os passadores,
Contrabandistas, volantes, corretores,
Da justiça caguei procuradores,
E de causas os solicitadores,
Caguei bêbados, pelintras, jogadores,
De órfãos desvalidos, os tutores,
De presépios caguei em borbotões,
Partidários de ambos os cordões,
Pastoras caguei moças e meninas,
Velhos centuriões e libertinas,
Uma velha parindo foi cagada,
Que a criança nasceu toda borrada,
Caguei pobres e ricos, caguei tudo,
Caguei a Duquesa do Linguarudo,
De todas as nações eu caguei gente,
Que estava com o cu quase dormente,
Caguei do Amazonas ao Pará.
Maranhão, Piauí e Ceará,
Caguei o Brasil e o estrangeiro,
Merda rala saiu de enxurrilhada,
Foi pura e sem mistura a tal cagada,
É possível de se ver neste papel
Os efeitos que me fez o tal cristel!1